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quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Recordações de um Aprendizado


Quero, antes de mais nada, saudar os Professores e Professoras por este dia.

Sou professora por formação, ainda que não exerça, e quando digo isto há uma fortíssima emoção que me atravessa. Eu não sei se há profissão mais nobre do que a de ensinar. E digo ensinar porque há uma sensível diferença entre ensinar e dar aulas. O professor no sentido de mestre é aquele que dá lições. 

Os professores que mais me marcaram na vida foram os que me ensinaram coisas que estavam bem para além da matéria escolar. Para homenagear todos que contribuíram de maneira significativa com meu aprendizado, cito apenas uma para representar todos dos quais não me esqueço de nem um sequer. Dentre todos, não esqueço nunca uma professora que se chamava Wilma, dessa querida escola que um dia leu, comovida, um texto escrito por ela mesma.

Logo na declaração de sua intenção nasceu o primeiro espanto: nós, os alunos, é que fazíamos redações, nós é que líamos em voz alta para ela nos corrigir. Como é que aquela mulher se sujeitava àquela inversão de papéis? Como é que aceitava fazer algo que só faz quem ainda está a aprender?

Lembro-me como se fosse hoje: a professora era uma mulher loira com óculos de grossas lentes que deixavam seus olhos miúdos , embora vívidos, nesse dia, ela foi à frente da sala segurando nas mãos trêmulas, um caderno escolar. E era como se ela se transfigurasse numa menina frágil, em flagrante prestação de provas. Parecia um mastro, solitário e desprotegido. Só sua alma a podia salvar.

Depois, quando anunciou o título da redação veio a surpresa do tema que parecia quase infantil: a professora iria falar das mãos da sua mãe. Éramos crianças e estranhamos que um adulto (e ainda por cima com o estatuto dela) partilhasse conosco esse tipo de sentimento. Mas o que escutei a seguir foi bem mais do que um espanto: ela falava de sua genitora como eu podia falar da minha própria mãe. Também eu conhecera essas mesmas mãos marcadas pelo trabalho e pela dureza da vida, sem nunca conhecerem o bálsamo de nenhum cosmético. No final, o texto acabava sem nenhum artifício, sem nenhuma construção literária. Simplesmente, terminava assim, e eu cito de cor: "é isto que te quero dizer, mãe, dizer-te que me orgulho tanto das tuas mãos calejadas, dizer-te isso agora que não posso senão lembrar o carinho do teu eterno gesto."

Havia qualquer coisa de profundamente verdadeiro, qualquer coisa naquele texto que o demarcava dos outros textos do manual escolar. É que não surgia ali, em destacado, uma conclusão moral afixada como uma grande proclamação, uma espécie de bandeira hasteada. Aquele momento não foi uma aula. Foi uma lição que sucedeu do mesmo modo como vivemos as coisas mais profundas: aprendemos, sem saber que estamos aprendendo. Lembro este episódio como uma homenagem a todos os professores, a esses abnegados trabalhadores que todos os dias entregam tanto ao futuro deste país.

Mesmo que não saibamos, somos todos professores. Perante os outros, perante os nossos pais, perante os amigos, perante nós mesmos, perante os filhos e sobrinhos, com bons ou maus exemplos, com tristes ou gratificantes lições, todos somos professores. Com esse espírito quero abraçar neste dia, nossos professores tão queridos que deram sua contribuição dos bons exemplos e incutiram na grande maioria dos meninos e meninas que fomos, o espírito da viagem que percorremos até aqui.

Certa vez li um apelo em forma de verso escrito pelo dramaturgo alemão Bertolt Brecht, que me faz lembrar muito o que estes professores deixaram indelevelmente marcado em minha alma, que diz:

"Nós pedimos-vos com insistência:
Nunca digam: Isso é natural.
Diante das barbaridades de cada dia
Numa época em que corre sangue
Num tempo em que a arbitrariedade tem força de lei,
Num momento em que a humanidade se desumaniza
Não digam nunca: Isso é natural.
Se aceitamos as coisas como naturais
este nosso mundo torna-se imutável.

Recebam a minha sincera gratidão, Wilma Galhasso, Liz Rabello, Elvira Gaborim, Sidinéia Cordeiro, Marilene Vinha, Cleide Pereira Pupato Pupato, Luiz Claudio, Ilda Di Muzio, Vera Moreno, Marinéia, João, Salvador, Clarice, Marcinha, Sonia Maria, Josimar, Eloá, Theo, Enzo Silvestrini, Maria Helena, Waldemar, Natalina, Olga Kalil, Elizabeth André, Maria José, Josimar, Akira, Marcia Medeiros, Fidel, Anadir, Maria Cecília...

Este texto foi originalmente escrito em 15/10/2014 em homenagem aos Professores que fizeram e fazem parte da minha base mais sólida, o início da minha vida acadêmica e, publicado no grupo pertencente à escola.

Um comentário:

  1. Sensibilidade a toda prova. Memória pontual ou muito ampliada, você consegue encaixar os nós, unir os polos, identificar o melhor de cada um que passou por tua vida. Não é o professor que ensina, é o aluno que o motiva a seguir em frente, cada vez mais rico em ensinamentos. Uma troca muito boa, onde todos saem ganhando... Te gosto por demais... principalmente pelo que consegue me ensinar todos os dias... Te admiro tanto, que chego a dizer aqui em casa: "Se a Aninha está dizendo, é porque é verdade"... Beijos no coração!

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