Páginas

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Perguntas na mangueira (e na Árvore de Natal)

     Outro dia, tendo recebido um exemplar do Jornal Alecrim e folheando suas páginas sem compromisso antes de lê-lo, uma coluna me chamou a atenção pelo título: Perguntas na mangueira (e na Árvore de Natal). Sem me importar com quem havia escrito, comecei a leitura e, ao ler a primeira frase me lembrei imediatamente da Leila, o que me fez voltar ao título para ver quem assinava. Sorri ao constatar seu nome. Me entreguei à leitura com prazer e fui reportada aos meus tempos de criança, tempos que me recordo com saudades e amor, tempos que me trazem à lembrança a figura do avô mais que amado que costumo dizer, me ensinou com seus diálogos, vivências e descobertas subjetivas que tanto me ajudaram a ler o melhor livro da vida. Por isso, resolvi postar o texto da Leila aqui e dizer que aceitei sua sugestão e que minha Árvore encontra-se repleta das mais variadas perguntas, como um exercício a ser praticado ao longo de nossa caminhada.
          
               
     Meu irmão costuma dizer que as palavras foram o único brinquedo que ele guardou de sua infância. Filhos de uma professora de português, crescemos cercados pelos livros, mas, além do gosto pela leitura, aprendemos cedo o quanto era prazeroso (e importante) conversar. As conversas quase sempre aconteciam perto do fogão de lenha, que usávamos como uma espécie de quadro-negro: minha mãe deixava uma caixa de giz à vista e ali, na superfície vermelha do fogão, rabiscávamos uma infinidade de recados uns para os outros. Afinal, éramos seis filhos e sempre havia o que dizer.

     Mas o que me fascinava mesmo eram as longas conversas que minha mãe tinha conosco. Ao nos ensinar a ver as palavras como aliadas, ela fez com que aprendêssemos a abrir o coração sem reservas, a expressar os sentimentos sem medo. Falávamos sobre alegrias e incertezas. Compartilhávamos os nossos sonhos(que eram muitos) e nossas tristezas (que também eram várias). E sempre saíamos melhores, e mais adultos, daquelas conversas.

     Mas talvez a lição, ou o exemplo, mais bonito deixado por ela tenha sido o costume de dependurar perguntas nos galhos da mangueira. Quando estava angustiada - quando os problemas pareciam estar além de sua capacidade de resolvê-los - minha mãe "fugia" para o quintal e me levava com ela. Nós duas no sentávamos nas raízes da mangueira (eu ainda criança) e ela ia falando baixinho sobre suas incertezas, suas dúvidas, sua perplexidade diante da aparente falta de saídas num cotidiano que não tinha nada de simples. Depois que ela desabafava, eu perguntava também - e eram muitas interrogações se esforçando para caber naquele vocabulário de criança. O fato é que ali ficávamos, as duas, e, a certa altura, minha mãe me puxava pela mão, apontava para aquela árvore frondosa e dizia: "Pronto. Nós já dependuramos as perguntas todas nos galhos da mangueira. Agora você vai ver como a gente vai se sentir melhor..." E a gente realmente se sentia. Ali naquela sombra, no mesmo chão onde ensinou meus irmãos a ler desenhando as letras com pedrinhas, minha mãe me mostrou como é importante perguntar. Aprendi que os pontos de interrogação nos fazem ir além da superfície e isso, no final das contas, é viver.

     Nesta época do ano, vendo as árvores de Natal decoradas com mil luzes, sempre me lembro da mangueira de Araxá e penso como seria bom se, junto com as bolas coloridas e os enfeites, a gente pudesse dependurar nossas interrogações. Na pressa em que vivemos, vamos deixando, aos poucos, de refletir. Faltam perguntas no mundo de hoje. pouco questionamos nosso estilo de vida e nossos valores. E, ao aposentar os pontos de interrogação, transformamos a vida em algo menor do que ela poderia ser.

     Fica, portanto, a sugestão: que na árvore de Natal deste ano as perguntas dividam espaço com a decoração. Perguntando nós avaliamos melhor nossos comportamentos e nossos estados de espírito, passamos a ter mais chance de conviver melhor com quem nos cerca. O excesso de certezas nos entorpece e nos leva a viver no piloto automático. As indagações, ao contrário, trazem à tona paradoxos que não podemos ignorar, contradições que precisamos entender para sermos mais reais e mais verdadeiros - ou seja, elas nos deixam melhores e mais conscientes da infinitas possibilidades do viver. Esse talvez seja o melhor presente de Natal que podemos dar - para os que convivem conosco e para nós mesmos.

Leila Ferreira é jornalista e autora dos livros A arte de ser leve e Mulheres Por que será que elas...?