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sexta-feira, 8 de agosto de 2008


O que a janela está olhando?
Você.
O dia passar.
Alguém chegar.
A chuva cair.
A cortina balançar.
O pé pisar.
A luz sumir.
O sono chegar.
A cidade parar.
Tudo recomeçar.
O que vejo na janela?
Pedaços do corpo a sobrar.
Cotidianos no ar.
Recantos de lar.
Surpresas chegar.
Alguém me olhar.
O vento passar.
O tempo parar.
O meu caminhar.
Nada a contar.
E entre a janela
Sou eu
Em pausa?
Antes do mover?
Sou eu
A parar?
A mover
E entre a janela?
É o encontro.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008



vive com alegria,
amorosamente,
entre aqueles que odeiam.
vive com alegria,
com saúde,
entre aqueles que sofrem.
vive com alegria,
em paz, entre os perturbados.
olha para seu interior.
permanece sereno,
livre do medo e do apego,
e conhece a doce alegria do caminho. 


DO DHAMMAPADA
COLEÇÃO DE AFORISMOS MORAIS BUDISTAS DE 300 A.C.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

O PARADIGMA DO CORAÇÃO



Quando olho a superfície do oceano, de uma praia qualquer, vejo sempre muita espuma e agitação. Isto me dá a sensação de um movimento rápido e poderoso. Mas serei capaz dedesviar o olhar da espuma ilusória das águas para a profundidade sem nome do oceano da verdade? Se olho profundamente, vejo sentimentos muito antigos de medo e incompreensão lutando - dentro do coração humano - contra a bondade, a sabedoria, a decisão de defender os mais fracos e a vontade de erguer-se até o nível do que é sagrado.

Cada vez que olho para o mundo vejo, lado a lado, realidades de tempos muito diferentes. A pedra, a folha de grama, o Sol e a montanha têm idades diversas. O brilho das estrelas na madrugada em que escrevo, viajou milhões de anos à velocidade da luz até chegar a este santuário natural, agora varrido pelo vento forte. O Planeta em que caminho vive há 4,6 bilhões de anos, mas a borboleta azul que dançava ontem à minha frente tinha algumas semanas de vida. 

Este contraste entre novo e velho, passado e futuro, momento e eternidade, ocorre dentro e fora de cada um de nós. E perceber isto é - penso eu - sintonizar com os novos tempos. A carroça convive com o computador em nossas cidades, do mesmo modo que sentimentos primitivos como o ódio, a covardia e a mágoa se misturam à coragem, à ética e ao amor universal. Há mais. Calor e frio, novo e velho, efêmero e duradouro, bom e mau, branco e preto: o mundo visível está cheio de contrastes. Sintonizar com a chamada Nova Era é ser capaz de situar-se corretamente em meio a esta eterna luta dos contrários - sem medo nem omissão - enquanto navegamos na fraternidade essencial que une todos os seres. Por outro lado, perceber o nascimento de uma nova civilização da ética dentro do coração de cada um de nós é como ter a cabeça no céu e os pés na terra e unir o espiritual com o material. 

Despertar a capacidade de ouvir o próprio coração. Para alguns isto se chama perceber o Cristo interno; para outros, é ouvir a voz do silêncio; ou olhar o mundo à luz do Tao. Não importa. Como disse Clarice Lispector, a palavra é apenas o anzol com que se deve pescar a realidade. A percepção da verdade profunda é quase sempre imediata e não verbal. Mas há um certo ar de eternidade girando em torno dela.
Tudo isso é, na verdade, o renascimento de uma percepção ampliada da realidade, algo que esquecemos durante alguns séculos e agora estamos conseguindo relembrar. Por isso o chefe Seatle, autor do maior manifesto ecológico de todos os tempos, datado de 1854, pode ser considerado um dos grandes profetas da nova era:
"Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa idéia nos parece estranha. Se não possuímos a pureza do ar e o brilho da água, como é possível comprá-los?", perguntou o líder indígena ao presidente norte-americano que queria comprar as terras dos dwamish. E continuou:
"Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada ramo de pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penunbra na floresta densa, cada clareira e inseto que zumbe são sagrados na memória e experiência do meu povo..."

O pardigma do coração que emerge na chamada nova era já estava muito presente nas sociedades da América pré-colonial. A morte, para os indígenas, era apenas um detalhe dentro do processo infinito da vida:
"Os mortos do homem branco esquecem sua terra de origem quando vão caminhar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta bela terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia, são nossos irmãos. Os picos rochosos, os sulcos úmidos nas campinas, o calor do corpo do potro, e o homem - todos pertecem à mesma família."

A sabedoria da nova era de que tanta gente fala hoje já vem sendo proclamada desde o nascimento da humanidade atual. No século XX, Antoine de Saint-Expéry redescreveu assim esta verdade mais velha que o mundo: "O essencial é invisível aos olhos".

Jesus Cristo, Pitágoras, Jâmblico, São Francisco de Assis e Buda são todos precursores da nova era. Os grandes instrutores das religiões humanas proclamaram, sem exceção, a nova era da fraternidade universal de todos os seres que agora surge, timidamente, em meio à crise econômica, política e cultural da civilização humana. 

Autores modernos como Fritjot Capra, Krishnamurti, Teilhard de Chardin, Carlos Castañeda e outros não fazem mais do que adaptar a tradição de sabedoria eterna à linguagem e às circunstâncias de hoje. Não há, pois, nada mais antigo do que o conteúdo da mensagem da chamada nova era. O que estamos vivendo hoje pode ser superficialmente novo, mas se olharmos em profundidade, teremos de concordar com Eclesiastes, do Antigo Testamento:
" Todos os rios correm para o mar e, contudo, o mar nunca se enche: embora chegando ao fim do seu percurso, os rios continuam a correr(...) O que foi, será; o que se fez, se tornará a fazer. Nada há de novo debaixo do Sol!"

Cada geração acha que os anos que lhe toca viver são os mais importantes da história humana. Estamos acostumados a pensar que iremos viver o fim da humanidade - ou sua regeneração definitiva. Muitos espiritualistas chegam a pensar que estão destinados, pessoalmente, a cumprir um papel grandioso de mestres e instrutores em alguma transição dramática para a "nova era". Não consigo imaginar nada mais distante da atitude de que se necessita do que este tipo de auto-importância. Colocar-se como umbigo do mundo é exatamente o oposto do altruísmo sincero que caracterizará a próxima civilização da fraternidade universal. Por mais disfarçada de espiritualidade verbal que esta atitude possa estar, ela é essencialmente igual à do homem que só pensa em acumular bens materiais e que, em função disto, é capaz de mentir e prejudicar os outros. Devemos ser implacáveis com os vaidosos que se vestem de líderes espirituais, se quisermos ajudá-los, porque o primeiro passo verdadeiro que eles precisam dar é parar de mentir para si mesmos.

A mudança de parâmetros que a nova era exige não está, portanto, no aspecto decorativo das nossas vidas. Nossa mudança interior se mostrará, muito naturalmente, em uma mudança de hábitos externos. Podemos praticar certas artes marciais meditativas como tai chi chuan, fazer meditação diariamente, ampliar nosso contato direto com a natureza, reexaminar nossa escala de valores pessoal e definir um programa de vida que gire em torno da busca da sabedoria. Mas não estaremos fazendo questão de mostrar nada disso para os outros. Não iremos influenciar indevidamente outras pessoas. Não nos preocuparemos muito com nossa auto-imagem nem esperaremos reconhecimentos externos da nossa suposta sabedoria. Tudo isto tende a anular a melhor parte dos esforços pelo auto-aperfeiçoamento. A vaidade é uma erva daninha que mata o conteúdo espiritual da nossa vida. Por isso, não devemos ocultar nossos defeitos, mas sim corrigi-los.

A principal característica do paradigma do coração, que marcará a nova era, é que ele nos faz independentes das circunstâncias externas.

Hoje em dia, cada aspecto da vida cotidiana da humanidade é reconstruído à luz da percepção de uma nova era. Uma nova medicina está nascendo. A percepção ecológica permeia tanto a visão religiosa do mundo quanto as ciências sociais e econômicas. Os movimentos sociais passam por uma crise profunda que é prenúncio de renovação e renascimento. Terão de ressurgir dentro de uma visão solidária do mundo, girando em torno do princípio da ajuda mútua, e abandonando o parâmetro mecanicista da luta de classes e da guerra pura e simples entre pobres e ricos. A psicologia de Carl Jung e tantos outros, encontra a sabedoria oriental do mesmo modo que as ciências exatas. Não vai ficar ninguém para contar a história do mecanicismo. Cada campo do conhecimento humano se conectará com o paradigma do coração, aquele referencial básico que nos guia mesmo sem o uso das palavras.

Dentro de algum tempo, as guerras serão apenas lembranças dos erros ridículos do nosso passado. Perceberemos a paz de todo o universo dentro do nosso coração, e, à noite, quando olharmos as estrelas, poderemos ter orgulho de pertencer à humanidade deste pequeno planeta. Cuidaremos da Terra com o carinho que ela merece, porque sentiremos que é como um jardim onde cultivamos não só plantas, mas também nossas próprias almas. E assim nos ergueremos gradualmente em direção à perfeição sem limites que aguarda por nós porque teremos adquirido a consciência do ser cósmico que representamos na centelha universal. Antes, porém, precisamos terminar o inacabado...