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sexta-feira, 13 de maio de 2011

CONTEMPLANDO A BELEZA


A beleza da lua me fascina desde a infância. Aprendi a contemplá-la ao lado de minha mãe, que sempre me chamava para estar com ela para assistir às mudanças das fases lunares. Vivi muitas transformações da lua ao lado dela, e pude desfrutar muitas de suas crenças sobre a vida. Nós colocávamos nossas cadeiras preferidas na varanda ou no jardim e ficávamos juntas contemplando o céu, silenciosas sob a influência da lua cheia. Reverenciávamos a noite como uma espécie de meditação e consagração. Ali, parecíamos atingir a totalidade. Nada era dito, nenhum desejo parecia existir naqueles momentos, parecia haver somente corpos entremeados em um único sentimento.

A lua alta com silhueta arredondada era, para mim, a representação sensível e misteriosa do cosmos, que me propiciava o sentimento de religação do meu espírito. Contemplar a lua significava adorar Deus, em seu aspecto feminino, passivo receptivo, acolhedor e renovador. Subitamente uma ciranda de nuvens deixava a lua opaca, a escuridão da noite fechava nossos olhares, deixando-nos serenas. Quando um sentido se apaga, outro se acende. Nesse ínterim conversávamos sobre a beleza. Minha mãe acreditava ser Deus a beleza suprema, enquanto a luz da lua, a bênção a cair sobre nós. O sentimento de gratidão era incomensurável. Poderíamos estar conectadas com o nosso EU profundo e ser UM. Não tínhamos dúvidas que a plenitude daquele instante era a única e verdadeira expressão da beleza.

Contemplar a beleza me emocionava a ponto de surgirem lágrimas. Foi difícil compreender aquela estranha emoção, pois pensava ser tristeza. Por que o belo me fazia chorar? Minha mãe justificava ser pelo fato de algumas crianças serem diferentes das outras, uma criança sensível tinha reações completamente diferentes daquelas com menos sensibilidade, ela conseguia compreender que minhas reações eram normais mesmo sendo incomuns. Todas as vezes que encontrava algo que pudesse me proporcionar beleza, corria para me chamar, pois queria me alimentar de contentamento. Foi um gesto de generosidade e ensinamento repleto de sabedoria. Não sei dizer se a sensibilidade pode ser ensinada, se a capacidade de transcendência ao mundo sensível pode ser herdada, mas sei que a emoção do corpo ao contemplar o belo pode ser construída pela educação e, isso minha mãe o fez com grande habilidade. Não sei o que se passava pela cabeça de minha mãe naqueles momentos, mas ainda lembro-me da imagem de seus olhos repletos de regozijo e orgulho da filha.

Compreendo que chorar ao sentir beleza não é muito comum entre as pessoas, mesmo porque somos condicionados a sentir preocupações e a nos defendermos dos supostos perigos da vida. Não estamos acostumados a exercitar o despojamento de nós mesmos para fazer parte do objeto contemplado afim de nos tornarmos um. Pelo contrário, aprendemos a ser egocêntricos e, portanto, o ego tem de estar protegido por uma barreira na qual se divide o que está dentro (o que é bom e bonito) daquilo que está fora (o que pode ser ruim e feio). Sendo assim, aquilo que é exterior passa a ser uma aparência que ora sagrada, ora não. Ao refletir sobre a beleza, sinto uma gratidão imensa pelo aprendizado daquelas noites de lua cheia ao lado de minha mãe. Mesmo ao constatar minha dificuldade de pertencimento, pude aprender com ela a contemplar a beleza e minha alma foi tocada, deixando importantes marcas em minha existência.

Hoje, 13 de maio de 2011 acompanho a fase crescente da lua que completará o ciclo e se tornará cheia no dia 17. Olhando para o céu, é possível comparar o quarto de lua crescente com o amor que cresce dentro de mim e enche o meu espírito do mais puro amor pelo espírito da mulher que tanto me ensinou a caminhar pela vida. Especialmente hoje, dia em que se comemorava seu nascimento, as lembranças me fazem retornar no tempo para que a gratidão esteja sempre presente em minha alma, nesses momentos, sua figura surge em minha mente e sinto um nó na garganta ao mesmo tempo que as lágrimas rolam soltas, misto de saudades, emoção, amor e orgulho.

domingo, 8 de maio de 2011

VITAL


A gente brincava
A gente brincava de faz de conta
A gente voava...

A gente semeava
A gente semeava as cores, mamãe
E sonhava o novo amanhecer...

A gente cantava 
A gente lia e comia
Comia sim, mamãe, comia poesia!

A gente, às vezes, morria...
A gente ressuscitava, mamãe,
Todos os dias.