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segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Manto de Poesia


Eu preciso de poesia para viver, seja em forma de versos, vinho, loucura, dádiva, carícias verbais, música, amizade, oração ou saudade. Como os mais inquietantes versos, eu resfolego, respiro ao fim de cada frase, tropeço em palavras tortas e duras como pedra. Mas posso chegar às alturas com poemas que acariciam a pele com o toque de penas macias.


Eu apenas preciso de poesia como do ar que respiro. Sem inspiração, eu não consigo ser mulher. Sem poesia, eu só sou um soldado a digitar vogais, consoantes e pontos perdidos no espaço branco da tela de um computador. Com poesia , porém, eu consigo ocupar o espaço feminino, escrever sobre saias rodadas e flores nos cabelos, sobre rendas e novelos de lã. Pela poesia, posso até costurar e bordar. Posso tecer como as aranhas. Ou ser uma tecelã ancestral diante de uma roca de fiar.


Pela poesia, eu sobrevivo aos séculos, resgato o poder dos antepassados, miro-me no espelho do amanhã, recebo, com alegria, o livro com dedicatória de um amor incondicional recebido pelo correio e as fotos da meninice enviadas por e-mail pela amiga de infância, recebo ainda, o ramo de lavanda que a amiga da montanha colheu para receber-me no domingo. Pela poesia, amo acima de todas as coisas, sem me importar com a idade ou com o tempo. Eu me desnudo inteira, sem medo ou vergonha.


Como poeta, posso escravizar com meus versos, posso pregar na cruz em meus braços abertos. Posso torturar ou seduzir com a doçura ou a aridez de palavras desnorteadas, imprudentes, ousadas, e pungentes. Posso dissecar com os olhos do coração.



Como mulher , posso pedir para revelar o mistério contido no âmago das matryoskas russas.Ou quem sabe participar do milagre do pão e então,celebrar a natureza que ainda sopra e redime as mulheres com o vento da bem-aventurança. Como mulher, coberta de poesia, posso me encantar com a dança cigana, ver o futuro nas cartas do tarôt ou perguntar porque o céu do meu bairro é sempre estrelado nas noites de Santa Clara. Eu posso, inclusive, pedir um sabonete com o perfume e poder de transformar mulheres endurecidas em fadas voadoras.



Como poeta, posso me despir de todo o pudor e dar a cada mulher uma missão especial, de não deixar que a natureza feminina seja aprisionada. Como mulher, posso transformar em poesia tudo o que toco. Mas, como poeta, também posso ser mãe de muitas crianças e viver para sempre num conto de fadas. Como mãe, posso continuar sonhando com filhos poetas, que podem fazer a diferença num mundo estéril. Como mãe, posso compactuar com todas as mulheres que sentem frio de amar. Como mãe, posso achar que um filho precisa de versos, de orações, de música, de máscaras para viver entre tantos discos arranhados, num país feito de sobrenomes.



Mas eu também posso ser ao mesmo tempo, poeta, mulher e mãe, ou quem sabe, espantar as assombrações que insistem em aparecer mesmo depois de passado o Dia das Bruxas. Como poeta, eu bem que poderia ser uma bruxa e colocar no meu caldeirão o sorriso de Dona Cida para não me esquecer que ela chegou aos 47 anos com simplicidade e elegância, e fazer uma alquimia para reavê-la.



Como mulher, posso colocar poesia no trabalho quando os textos saem leves, fluidos, quase etéreos. Como mãe, posso pôr cores mais pesadas, tons de vermelho e alaranjado, posso pensar que o paraíso é roxo, mas também ver nos olhos castanhos do “filho” Renan que a cada dia ensina coisas que ainda não sabia, principalmente, quando ele disse ter vindo ao mundo para ajudar-me ser uma boa mãe e não mais uma mulher perdida em metáforas.

Como poeta, posso me permitir a pedir que me cantem um blues da liberdade de todas as mulheres, inclusive, cobrir a cabeça com um lenço em sinal de respeito a uma voz que mergulha no mais suave de todas nós.


Como mãe, posso criar filhos felizes, sem a droga da competição e do poder que consome todos os sonhos. Como mãe posso aplicar os filhos na droga do amor, da compaixão e da solidariedade. Posso também ensiná-los a simplicidade da vida, com gosto de brigadeiro, pipoca e algodão doce. Posso também conversar por telefone com Delminha, que mesmo morando em Sampa, distante de BH, para pedir emprestada a felicidade escancarada da infância.


Como mulher, posso me entregar à paixão desmedida, dessas que tiram o ar e o chão. Pode ser tão singela ou fatal que só a poesia redimirá de mim mesma. Com poesia, afinal, não tenho medidas. Posso ser um único verso ou um poema tão longo que será declamado por toda a minha vida.