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sábado, 21 de abril de 2012

AMOR FESTA E DEVOÇÃO

Conversando com um amigo, ele me disse: "Por que você não publica em seu Blog as resenhas que já escreveu, para que a gente possa ler?" Respondi que elas já estariam velhas. Fiquei com a pergunta martelando em minha cabeça, sempre tenho a postura de achar que determinadas coisas, não causam tanto interesse. Por exemplo: meu amor declarado à "Minha Deusa Bethânia", pois o assunto em questão quando a pergunta surgiu era o show Amor, Festa e Devoção ocorrido em novembro de 2009.
Rafa, para que você possa ler o que escrevi, resolvi postar - espero que goste!

AMOR, FESTA E DEVOÇÃO – MARIA BETHÂNIA


 Maria Bethânia Viana Telles Veloso é o nome dela, aos sessenta e três anos de idade e quarenta e seis de carreira ela é hoje um clássico da música popular brasileira, já foi elevada ao patamar de grandes nomes da música mundial como Edith Piaf, Nina Simone e Ella Fitzgerald.
Bethânia já não cabe apenas nos rótulos de romântica, brejeira ou artista de massa, dessa forma foi que lançou de uma só vez dois álbuns Tua e Encanteria em seu show Amor, Festa e Devoção, trazendo para o palco composições amorosas, festivas e devotas que disse ser o grande ensinamento de sua mãe, Dona Canô, a quem o show foi dedicado. É preciso dar-lhe o crédito necessário, afinal, poucos artistas têm a ousadia e confiança para lançar dois trabalhos inéditos de uma só vez.
O álbum Tua leva o título da canção homônima de Adriana Calcanhoto, traz um repertório de canções de amor; já o segundo, Encanteria, de celebração e festa, ganhou o nome de uma das canções e letras de Paulo César Pinheiro presentes no disco e que tem como subtexto a fé, a esperança e a caridade. Maria Bethânia além de dar voz às canções as carrega de poesia, que, aliás, tem como sua marca registrada, interpretações  e leituras de textos durantes seus shows, o que costuma levar a platéia ao êxtase.
A narrativa, aliás, abriu-se ao silêncio, à reflexão. Ao agrupamento sensorial de cada um. Jorro forte. Cada um sabe como tratar intimamente os graves e os metais de Bethânia – seja em prosa no texto Olho de Lince de Waly Salomão – ou música – Vida de Chico Buarque, agora em camadas perfiladas de voz. Sinais iniciais.
Amor, Festa e Devoção se desenvolveu sob o signo da alegria, da forte vontade de causar encantamento nas pessoas de forma direta. Sem conceitos fortemente intrincados, o público viu sua estrela brilhar mais próxima da terra. Leve Maria. Dançou demais, brincou demais no palco.
O acento percussivo – nada desvairado – envolveu o repertório com trinta e cinco canções dando, inclusive, contornos mais incisivos a algumas extraídas do álbum Tua, o disco com canções de amor sábio. Jaime Além assegurando harmonias em violões e violas, a percussão de Marcos Lobo e Reginaldo Vargas. O show. A base. A festa.
Os olhares se convergem para Bethânia. É natural. Mesmo com gestos recorrentes e a direção bem familiar de Bia Lessa, ela mantém a postura incomparável. Um intérprete de porte nunca decepciona. E Maria Bethânia é a maior de todas, queiram os modernos ou não.
Bethânia afagou a platéia com cadência e dolência – o ritmo é tudo na vida de um espectador. Reciclou clássicos: Explode Coração de Gonzaguinha, cantada a capela, tão cabível ao espetáculo quanto imprescindível a alguns fãs. Porém, não há facilitações, Amor, Festa e Devoção não se inclinou aos comuns demais da conta.
Houve contrapartidas, isso sim. Se Bethânia ofereceu momentos de fruição, ela conseguiu – e consegue – silenciar todo o teatro para que todos ouçam e apreendam o que de novo, belo e intimista tem a apresentar. Se no bloco aberto e fechado com Saudade dela (Roberto Mendes), homenagem a Dona Edith do Prato, houve convite para se dançar e cantar, a sequência veio intensa e intimista com Saudade (Chico César – Paulinho Moska).
Queixa (Caetano Veloso), interpretada de maneira suave ao violão, busca vozes. Você perdeu (Márcio Valente – Nélio Rosa) do atual repertório, vem pungente e instala-se no refrão – “foi você quem se perdeu de mim, foi você quem se perdeu, foi você quem perdeu, você perdeu”. Há um sertão nos harpejos da viola. Um luar esquecido.
Urbanidade volátil. Uma asa parada no ar, o drama de Balada de Gisberta (do português Pedro Abrunhosa) a digressão do show. A brejeirice cavada nas mercadorias de Zezé di Camargo e na frase da dupla Bruno & Marrone – “do jeito que você me olha, vai dar namoro”. Tudo pacificado ao modo de uma inocente Maria ou na Bethânia religiosa que dedica os vermelhos à Santa Bárbara, oiá com bracelete no pulso direito. Ouro no esquerdo.
Comovente a interpretação de Não identificado (Caetano Veloso), que após o término ela diz: “Essa canção de meu irmão Caetano, era a preferida de meu pai. Eu sempre imaginei que ele ouvia, se comovia e dedicava silencioso à minha mãe. Comigo acontece parecido, mas Deus me deu voz. E assim faço ecoar no tempo o nosso amor por ela. Amor, festa e devoção. Ensinamentos dela para o bem viver”, diz Bethânia, “O meu canto é teu, minha senhora”, arremata batendo no peito cantando Estrela, do queridíssimo mineiro   Vander Lee. Daí em diante é desnecessário esmiuçar o espetáculo. O público, antes mesmo do amor nominal, já havia jogado o coração no palco.
Bethânia maximiza fatos. Eu creio em fatos. Nas rosas vermelhas de quarenta e cinco mil pétalas. Cantei, gesticulei, busquei adjetivos novos, mas não encontrei. Inscrevi novamente a palavra devoção no nome dela.
Amor, Festa e Devoção é para se guardar no escaninho da alma. Quem foi disse: “lindo”, “maravilhoso”, “belo”. Eu fico com as palavras de nosso saudoso Gonzaguinha: “E a vida o que é diga lá, meu irmão?!”

Texto: Olho de Lince – Waly Salomão

Quem fala que sou esquisita hermética
É porque não dou sopa estou sempre elétrica
Nada que se aproxima nada me é estranho
Fulano sicrano e beltrano
Seja pedra seja planta seja bicho seja humano
Quando quero saber o que ocorre a minha volta
Ligo a tomada abro a janela escancaro a porta
Experimento tudo nunca me iludo
Quero crer no que vem por ao beco escuro
Me iludo passado presente futuro
Revir na palma da mão o dado
Presente futuro passado
Tudo sentir de todas as maneiras
É a chave de ouro do meu jogo
De minha mais alta razão
Na sequência de diferentes naipes
Quem fala de mim tem paixão.

Ficha Técnica:

Direção e cenário: Bia Lessa
Roteiro: Maria Bethânia e Fauzi Arap
Iluminação: Lauro Escorel
Regência: Jaime Alem
Violões, violas e guitarras: Jaime Alem
Baixo e violão: Jorge Helder
Bateria e percussão: Carlos Cesar
Percussões: Marco Lobo e Reginaldo Vargas
Piano, acordeom e violão: Vitor Gonçalves