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sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Quero tanto e quero pouco
Em princípio, quero apenas,
 elevar os solidários
prestigiar a sensibilidade e a humanidade ignoradas
sepultar os inconscientes sem chorar.

Quero ser raiz, fruto e semente
de amor a estar feliz sem estar contente.
Qual superfície de um fulcro
estar viva de sepulcro e, relaxada,
por-me em riste,
quero ser mansa ao odiar,
ver avanço em recuar,
ser alegre, mesmo triste.

Quero amar para viver como um furtivo fato da vontade,
fazer de mais curta eternidade um ato percebido.
Tentar, no que serei,
ver se terei sido.

Mas para isso, que tão pouco nos parece,
é preciso tanta coisa:
Evitar supersticiosos, fugir dos possessivos, escapar dos inconscientes,
crer em frenéticos fraternos,
duvidar de céticos eternos
aceitar o carinho que se tem, compreender que não o tenha quem não tem,
amar, na vida, tanto a volta de quem vai,
quanto a ida de quem vem.
Além do mais – vejam só! – quero falar.
Ouvir muito e falar muito do que avisto enquanto sigo,
continuar crendo em dizer-me
a renovar cada palavra que digo.
Eu quero paz e quero-a, tensa,
a pedir satisfações aos conteúdos do que penso,
descontentar-me sempre com a forma como falo,
tornar impossível contentar-me quando calo.

Não quero tanta razão que me impeça,
aos deuses, me ajudarem,
nem tantos argumentos que me impeça, pessoa, amar alar-me.
E que dizer:
- Eu não quero o defeito da paciência
- quero a virtude da impaciência
- a ansiedade que cria,
 a pessoa que emagrece,
o delicioso desespero de que se tecem as esperanças efetivas.

Assim, meu porvir, tenho sido, que à diante,
Será atado, a uma boca que ouve, um ouvido que cante
esse enredo, tão breve.
Esse enredo que agora devora o meu dedo que escreve
e cala sua âncora num canto de angra, contente ao ouvir.
- Eu quero amar transparente, numa fala de encanto que sangra existir.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

A Orquídea Branca


Todos os anos, no dia do meu aniversário, desde que completei doze anos, uma orquídea branca me era entregue anonimamente em casa. Não havia nunca um cartão ou um bilhete e os telefonemas para o florista eram em vão, pois a compra era sempre feita em dinheiro vivo. 

Depois de algum tempo, parei de tentar descobrir a identidade do remetente. Apenas me deleitava com a beleza estonteante daquela flor, mágica e perfeita, aninhada em camadas de papel de seda cor-de-rosa. Porém, nunca parei de imaginar quem poderia ser o remetente. Alguns de meus momentos mais felizes eram passados sonhando acordada com alguém maravilhoso e excitante, mas tímido ou excêntrico demais para revelar sua identidade. 

Durante a adolescência foi divertido especular que o remetente seria um garoto por quem eu tinha uma admiração, ou mesmo alguém que eu não conhecia e que havia me notado. Minha mãe frequentemente alimentava minhas especulações. Ela me perguntava se havia alguém a quem eu tivesse feito uma gentileza especial e que poderia estar demonstrando anonimamente seu apreço. Fez com que eu lembrasse das vezes que nossa vizinha chegava com o carro cheio de compras e crianças. Eu sempre a ajudava a descarregar o carro e cuidava que as crianças não corressem para a rua. Ou talvez o misterioso remetente fosse o senhor que morava do outro lado da rua. No inverno, muitas vezes eu lhe levava sua correspondência para que ele não se aventurasse nos degraus escorregadios.

Minha mãe fez o que pôde para estimular minha imaginação a respeito da orquídea. Ela queria que sua filha fosse criativa. Também queria que me sentisse amada e querida, não apenas por ela, mas pelo mundo como um todo.

Quando estava com dezessete anos, perdi um amigo que adorava, costumava chamá-lo de semideus. Na noite em que recebi a notícia de sua morte, chorei até pegar no sono. Quando acordei de manhã havia uma mensagem escrita com batom no espelho do meu banheiro: “Alegre-se filha, quando semideuses se vão, os deuses vêm”. Pensei a respeito daquela citação durante muito tempo e a deixei onde minha mãe a havia escrito até meu coração sarar.



Finalmente, quando busquei o limpa-vidros, minha mãe soube que estava tudo bem novamente.

Mas houve certas feridas que minha mãe não pôde curar.

Minha mãe estava atenta à imagem que sua filha tinha de si mesma. Imbuiu-me com uma sensação de mágica do mundo e me deu a habilidade de ver a beleza mesmo em meio à adversidade.

Na verdade, minha mãe queria que sua filha se visse como a orquídea - graciosa, delicada, mas forte, perfeita, com uma aura de mágica e talvez um pouco de mistério.

Minha mãe morreu quando eu estava com dezoito anos. Este foi o ano em que parei de receber orquídeas.