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segunda-feira, 8 de setembro de 2008

O Homem e o Caiçara



Como sempre havia sido cinco dias de escritórios, reuniões e salas frias. No fim-de-semana, cadenciando ainda cansaços da viagem, o homem macilento consumia-se em desejos sentado na areia da praia. O mar cantarolava, em cada onda um verde novo em seus ouvidos. Ele observava o coqueiral, os olhos no topo das folhas de coqueiro numa ansiada façanha inatingível. Arrepiava-se sob a verticalidade sublime daquela altura vegetal e primitiva.
Por perto um caiçara curioso reparava vestígios opressivos no corpo daquele homem. Aproximou-se e lhe perguntou sem rodeios:
- Que é isso em seus cabelos?
Absorto no coqueiro, o homem se espantou.
- Falou comigo?
- Se me permite, coisa estranha em seus cabelos, que é isso?
- Ah, é uma fresta da consciência de zelos abafados, rumos esquecidos e ontens ainda aguardados.
- E o que é isso em seus pés? - insistiu o caiçara.
- São caminhos interrompidos por sapatos civilizados - dizia o homem com a voz trêmula - São dedos atrofiados por assentos do progresso.
- E isso em suas mãos? - perguntou o caiçara chegando mais perto.
- São acenos invisíveis pela fumaça, carinhos inibidos pela ameaça de compromissos, dedos enrijecidos por botões da atualidade, são castidades esbugalhadas.
- E sua boca, toda encolhida, o que há com ela?
- São risos cicatrizados - falou vacilante o homem - São ideais lacrados, é o gosto da mudez.
O caiçara encarou-o fixamente e disse impetuoso:
- Seus olhos são cinzas! Mas têm desejos fortes...
- É a constante vontade de aprender a subir num coqueiro - disse o homem falseando a voz - Você me ensina a subir num coqueiro? Eu tenho anseios por alturas primitivas.
Então, o caiçara foi se afastando lentamente e começou a subir no coqueiro, a subir, a subir.
Enquanto isso, soltavam-se dos olhos do homem duas gotas cintilantes em direção à boca.

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